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Nota informativa | Noticias Generales | Brasil

02-04-2024

Turismo comunitario terá seu primeiro curso superior no Brasil

Alberto Viana | Alba Sud

Por iniciativa da Rede BATUC, em 2024 será lançado o primeiro curso de graduação em turismo comunitário pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB através do Centro Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial Paulo Freire - CAECDT. Oferecerá educação pública e gratuita a 50 jovens e adultos de várias regiões do país.


Crédito Fotografía: Foto de la rectora de la UNEB, Adriana Marmori, con responsables de educación rural.

O governo federal do Brasil aprovou o primeiro curso superior de turismo do país, voltado para o turismo comunitário, que terá início neste ano de 2024. Trata-se de uma vitória da educação do campo, que foi iniciada  no Brasil pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pelo Centros de Formação Alternativa (CEFAS), em colaboração com professores de universidades públicas que entendiam que a educação rural não preparava as classes trabalhadoras e seus filhos e filhas para a luta pela terra e pela democracia no campo, e por melhores condições de produção, vida e reprodução da existência. A educação do campo é fruto da luta e só se tornou política graças a ela. Inclui a educação infantil, a educação de jovens e adultos e a formação técnica e superior numa perspectiva crítica, contra-hegemônica e libertadora.
 
A formação de jovens e adultos de comunidades camponesas rurais no turismo a partir da educação do campo é um desejo antigo dos movimentos sociais rurais que lutam pela reforma agrária e pela regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. A educação do campo faz parte da discussão da questão agrária brasileira há 25 anos, como um direito conquistado gradativamente por meio da luta do campesinato. Já são mais de dez estados brasileiros que possuem iniciativas de turismo comunitário, também conhecido como turismo de base comunitária e que inclui também o etnoturismo dos povos indígenas.
 
Como resultado da luta da Rede de Turismo Comunitário da Bahia - Rede BATUC, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, com seu Centro Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial Paulo Freire - CAECDT, de professores da carreira de turismo e hotelaria e de professores externos, foi elaborado o projeto político pedagógico em 2023 para o primeiro curso de graduação em turismo comunitário, que foi aprovado este ano, e oferecerá ensino público e gratuito a 50 jovens e adultos de várias regiões do Brasil.
 

Campus da UNEB.

Qual é a importância do curso?
 
Em primeiro lugar, responde a uma demanda social, econômica e ambiental com um projeto político pedagógico específico para o campo de estudos do turismo comunitário, com metodologias, estruturas curriculares e conteúdo que levam em conta as suas singularidades e se contrapõem aos programas de formação turística orientados para a economia de mercado do capitalismo. O curso tem como foco a economia solidária, a agroecologia, a ecogastronomia e, sobretudo, o turismo emancipatório, sustentável, responsável, regenerativo e solidário.
 
Em segundo lugar, servirá jovens e adultos que já trabalham no turismo nas suas comunidades rurais e aqueles que vivem em comunidades que apenas têm potencial turístico ainda a desenvolver. Com a formação em turismo, as suas possibilidades de obter mais rendimentos com o turismo comunitário e com a produção associada aumentarão, pois terá mais conhecimentos técnicos e científicos para aplicar.
 
Terceiro, porque o curso não afetará o tempo de trabalho do aluno nas atividades de plantio, colheita, extrativismo ou pecuária, nem no turismo comunitário e na gastronomia, uma vez que será baseado na pedagogia da alternância, onde haverá horário de aula na universidade, intercalado com um tempo de atividades em cada comunidade, onde uma das tarefas é a interação com a família e com o território.
 
Em quarto lugar, porque o turismo comunitário já é uma forma comprovada de fortalecer a territorialização camponesa no Brasil, por possibilitar que mais pessoas conheçam os territórios, os modos de vida e as culturas camponesas, significa mais pessoas comprometidas com a defesa das causas dessas populações ameaçadas pela especulação imobiliária, agronegócio, mineração e hidronegócio.

Quem pode fazer o curso?

Estima-se que existam cerca de 200 iniciativas de turismo comunitário no Brasil. A maioria deles é encontrada em áreas rurais. Os alunos do curso, de acordo com o regulamento do Programa Nacional de Educação em Reforma Agrária - PRONERA, podem ser jovens e adultos de diversos tipos de comunidades rurais, como Reservas Extrativistas Marinhas, assentamentos rurais de reforma agrária, comunidades quilombolas, comunidades tradicionais de fundos e fechos de pasto, desde que devidamente cadastrados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Podem se inscrever jovens e adultos de todos os estados brasileiros, mas espera-se que a maioria seja do estado da Bahia e de estados próximos que já possuem redes de turismo comunitário, como a Rede Cearense de Turismo Comunitário - Rede TUCUM no estado do Ceará . Os jovens e adultos precisam ter concluído o ensino médio e estar munidos de documentos pessoais, além de passar em vestibular específico para este curso.
 

Centro Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial Paulo Freire – CAECDT.

Qual é o perfil da universidade que oferece o curso?

A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) tem mais de vinte anos de experiência com comunidades rurais e cursos de educação do campo. Possui um curso de bacharelado em turismo e hotelaria para estudantes da cidade e outros dois cursos de turismo, além deste curso de turismo comunitário. Possui corpo docente de alta qualidade e um campus no município de Conceição do Coité, destinado a cursos de educação do campo que está equipado com salas de aula, equipamentos, hospedagem, restaurante e boa localização para práticas turísticas. Também mantém cooperação com outras universidades do país e de outros países que possuem professores que podem contribuir com o curso.
 
A universidade mantém relação de cooperação com todos os movimentos sociais do campo que lutam pela reforma agrária e pela regularização dos territórios indígenas e quilombolas e da pesca artesanal, onde muitos têm direito a um representante no colegiado do Centro Acadêmico de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial Paulo Freire – CAECDT, para opinar sobre as decisões dos cursos atuais e planejados.
 
O curso será coordenado e executado por professores do departamento de turismo e hotelaria da UNEB e professores colaboradores externos que também acompanharão os alunos durante suas atividades nas comunidades. Está previsto que algumas etapas do curso sejam desenvolvidas em outros territórios para que os alunos possam conhecer outras experiências da Rede BATUC, que ganhou o Prêmio Global de Turismo Responsável em Londres em 2023 e a tornou uma referência nacional e internacional.
 

Membros de la Red Batuc.

Onde os graduados trabalharão?

O curso terá duração de quatro anos e visa formar profissionais de turismo com visão crítica e que se opõem ao turismo de massa, ao turismo insustentável e ao turismo que contribui para as mudanças climáticas, a desterritorialização camponesa e a concentração de renda no Brasil. Poderão atuar em empreendimentos das suas próprias comunidades, em organizações não governamentais e em órgãos públicos de turismo e desenvolvimento rural. Devem promover o turismo responsável, sustentável, regenerativo e solidário, a agroecologia, a ecogastronomia, a economia solidária e o bem viver, e desta forma contribuir para o cumprimento dos objetivos do milénio e de um modelo diferente de sociedade.

Conclusões

O Brasil possui vários movimentos sociais rurais que continuam lutando pela reforma agrária integral, pela regularização dos territórios das comunidades tradicionais indígenas e quilombolas e pela justiça no campo. Em 2022 no Brasil, ocorreram 2.018 conflitos no campo, envolvendo 909.450 pessoas, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O turismo comunitário pode ser mais um instrumento de pacificação do campo, e quanto mais pessoas se unirem para promover, estudar e pesquisar esta atividade, mais será semeada uma cultura de paz. É nisso que acreditamos. Seria possível criar uma Cátedra UNESCO de Turismo Comunitário para atender a demanda por este tipo de cursos em todos os países latino-americanos que possuem turismo comunitário? Nós esperamos que sim.
 
 
Alberto Viana é pesquisador do Grupo Dinâmica do Espaço Agrário e Relação Campo-Cidade/IGEO FUBA, do Grupo REDPECT/ UFBA e do Grupo TBC-Rede da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É também professor externo da UNEB, membro da Rede BATUC e colaborador da Alba Sud.
Este artigo é publicado no âmbito do projeto “Aprender a fortalecer o turismo comunitário”, executado pela Alba Sud com o apoio do Conselho Provincial de Barcelona.
 
 
 

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